O lado B de Marcos Proença. Confira entrevista exclusiva

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“Preparei um café da manhã para vocês.” Assim Marcos Proença nos recepcionou em seu aconchegante apartamento no bairro de Vila Nova Conceição, em São Paulo. São os modos e a amabilidade característicos de quem vem do interior, que adora receber visitas. Tem melhor jeito de começar uma entrevista? Pois além de abrir as portas de casa – simplesmente linda, repleta de peças garimpadas em viagens ou presenteadas por amigos e fãs –, ele abriu o baú das memórias para contar detalhes da vida e da carreira que muitos desconhecem. Ou desconheciam.

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CABELOS&CIA: Quando você decidiu ser cabeleireiro?
Marcos Proença: Aos 12, 13 anos, eu maquiava minha mãe e uma tia com um estojinho vindo do Paraguai, inspirado na abertura da novela Locomotivas, que mostrava uma modelo sendo maquiada e era reprisada pela Globo. Essa tia disse que eu tinha dom e deveria estudar. Como meu pai não tinha dinheiro, fiz um curso oferecido pela prefeitura de Votorantim [SP]. Era um curso gratuito e bem básico, só de corte.

Então começou a cortar…
Como era muito baixinho, ninguém confiava em mim. Uma vizinha só deixava que eu cortasse o cabelo do filho dela! Atendia no quintal de casa até que outra vizinha me ofereceu sua garagem para montar o salão. Daí meu pai vendeu o carro para comprar os móveis. E para saberem, convidei duas meninas bem bonitas do bairro que distribuíam papeizinhos chamando as pessoas a conhecer o espaço. Eu tinha uns 14 anos e o salão tinha o meu nome!

E depois de montar o negócio?
Busquei aprender mais ainda. Em um evento da área profissional na Ilha Porchat, no litoral paulista, fiz o curso de um cara que vendia viagens internacionais para cabeleireiros. Paguei parcelado durante três anos, dos 15 aos 18. Só que era um golpe! O cara pegou dinheiro de todo mundo, levou alguns alunos para poder atrair outros… E desapareceu! Apenas a minha turma foi.

Então a viagem saiu?
Embarquei para Paris, Londres e Amsterdã. Em cada lugar, um curso. Sempre fui apegado a estudar. Acredito que se você quer ser bom em alguma coisa, tem de entender muito daquilo. Mas como não fiz as contas direito, fui gastando, gastando… E bem no meio da viagem o dinheiro acabou. Acabei comendo lanche durante dez dias.

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Onde você estudou?
Uma das academias foi a Tony&Guy, ousada com seu estilo geométrico e inspiração na arquitetura e no design.

E o seu retorno?
Quando voltei de lá, abri um salão no centro de Votorantim. E depois montei um segundo. Até que um dia acordei e disse: “Quero morar em São Paulo”. Liguei para um cabeleireiro, o Ari Persan, que na época trabalhava no Jacques Janine e atendia a Hebe Camargo, e ouvi dele: “Proença, não venha. Você está feliz aí. Aqui também tem problema”. Até entendo ele, porque a sensação de responsabilidade em trazer alguém para cá é grande. Procurei o Fabio Fleming, editor da Estética, dizendo que queria fotografar para a revista dele. Fiquei ligando por meses até conseguir o editorial. Depois das fotos feitas, eu disse que queria morar aqui. Foi quando ele me levou para conhecer a Patrícia Lamastra, que era dona da Agência First, e falou: “Você pode trabalhar com o Wanderley Nunes, o Mauro Freire ou a First”. Ah, eu amo o Mauro Freire, ele faz a Xuxa! Nossa, o Wanderley? Ele faz o look de um monte de famosas! “E o que é essa First?”, perguntei. “A First faz modelo, atriz. É melhor mesmo você ficar com eles para aprender a produzir cabelo de revista, de filme publicitário.” E assim comecei.

Quem foi sua primeira cliente?
A Gabriela Duarte, que virou amiga e é cliente até hoje. Depois veio a Ana Paula Arósio e muitas outras atrizes.

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Fale da experiência com a agência.
A gente desenvolve a habilidade de visualizar como o cabelo e a maquiagem vão ficar na foto ou no vídeo. Pode estar bonito na hora, mas a imagem vira outra coisa. Podemos fotografar os fios mais desmanchados e, antes de a cliente sair, damos outra arrumada, refazemos o babyliss, para ela chegar à festa mais despojada e não ficar com cara de daminha de honra. O que acontece ao vivo é diferente. E atuar em agência faz com que vejamos como irá ficar o visual da mulher. Aliás, uma dica é fotografar bastante a clientela. Assim podemos comparar o que o cabelo que fazemos tem de diferente daqueles das fotos de revista. Às vezes é muito volume, às vezes produtos demais… O bom é o correto. Pode ser um produto barato ou caro, desde que seja ideal para aquele determinado tipo de cabelo.

E sua mudança para São Paulo?
O começo foi difícil. Passei a morar com uma amiga em uma quitinete no Vale do Anhangabaú, na região central da cidade. Fiquei lá por alguns meses. E me dividia entre o trabalho de publicidade e o salão que a First mantinha. Cheguei sem cliente alguma e comemorei quando passei a atender uma, duas ao dia! A melhor maneira de captar e manter a clientela é fazer um bom corte e uma boa cor, para que quando alguém chegue nela e pergunte: “Nossa, quem fez seu cabelo?”, ela indique você. Atendo pessoas daquela época até hoje. Sou de manter relações. A gerente da unidade Vila Nova, por exemplo, era gerente do meu salão no interior!

Quando o salão da Agência First fechou…
O Wanderley Nunes me chamou para o Studio W, onde fiquei por quase dez anos. Eu ia com ele para a Globo todos os domingos. O Wanderley é o maior gênio que eu conheço. Vi deixar a Letícia Spiller de cabelo preto em cinco minutos e depois tirar a cor, e a Claudia Raia loira em 20 minutos! Ele é muito rápido, não tem medo de ousar. Assim fui aprendendo o serviço de transformação. Fomos observando com as novelas os visuais que davam retorno… E comecei a atrair minha clientela.

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É difícil lidar com celebridades e a high society?
Quanto mais uma pessoa tem dinheiro, ou quanto mais famosa ela é, mais criteriosa fica. Se você não tem dinheiro nem fama, não precisa estar sempre com o cabelo perfeito. Mas se é formador de opinião, tem um blog, um programa de TV, deve estar à frente do tempo. Usar antes dos outros, mesmo que aquele visual já tenha sido repensado um milhão de vezes. Foi uma combinação boa porque também sou escravo do novo! Na hora do atendimento, pergunto sobre a sua profissão, vou sentindo a vibe dela. E o acúmulo de informação dá poder. Um dia você usa aquilo. Já trabalhei com dança, em escritório de engenharia… Tudo é experiência e vai somando.

Depois do Studio W…
Saí de coração partido para montar o meu espaço dentro da Pelu [loja de roupas que ficava numa charmosa vilinha nos Jardins]. Mas com a chegada de cada vez mais clientes, ficou insustentável continuar ali. Enquanto isso, o salão da Artur Ramos [rua no Jardim Paulistano, bairro nobre da capital paulista] estava sendo construído seguindo o conceito eco-friendly, com reutilização da água de chuva, madeira certificada, couro ecológico. Já faz quase dez anos.

O sucesso veio logo?
Acredita que levamos sete meses para fechar o breakeven [ponto de equilíbrio nos negócios, nem lucro nem prejuízo]? E só fui descobrir o que era isso no hospital, com transtorno de ansiedade! O meu sócio falava assim: “Olha, a conta não tá fechando. Não temos dinheiro para pagar o salão!” Todo mês, ele tinha de investir. Depois de sete meses, começou a entrar dinheiro para quitar as dívidas e levou mais alguns para sobrar os primeiros centavos. Pagar o investimento, então, demorou cinco anos! Na verdade, nunca desejei ter salão, foi acontecendo. É um erro as pessoas acharem que precisam de um para se realizarem. Ter um negócio é um chamado para gerar emprego, ensinar e exercitar a paciência em todos os aspectos. Porque você coordena pessoas, egos… Acho, até hoje, que não sou a pessoa certa para ter salão, apesar de estar dando certo, num crescente. Há o dark side, não é um mar de rosas. Muitas pessoas me veem em fotos com famosas e idealizam o que não existe. Hoje, o que mais me faz feliz, pode parecer piegas, é ajudar as pessoas.

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Ter um olhar fraterno para o outro, né?
Sim, foi o que aconteceu no caso de um cabeleireiro da Bahia, o Cleves Peixoto. Recebi dele uma direct message no Instagram (sou viciado na rede social!), dizendo que era meu fã e gostaria de me enviar um presente. Aceitei e, logo depois, recebi no salão uma estátua de Nossa Senhora. Sua história me emocionou. Ele é ex-padre e largou a batina para ser cabeleireiro, mesmo contra a vontade da avó. Iniciante na profissão e com poucos clientes em Salvador, não ganhava o suficiente. Foi quando decidi trazê-lo a São Paulo por uma semana [o que aconteceu em junho]. Cada um da minha equipe ensinou uma técnica para ele. Assim, voltou para Salvador sabendo mais e com possibilidade de ganhar mais.

Esse intercâmbio já virou projeto?
Por enquanto, uso recursos próprios, as milhas do cartão de crédito… O critério é que o cabeleireiro não tenha dinheiro para pagar um curso. Antes eu não pensava em ajudar ninguém. Quero dar um significado diferente à vida, e o que me dá isso é ajudar o próximo. Fazer uma corrente, trazer profissionais do Brasil inteiro para ter essa vivência, de ensinar o que sabemos, e levá-la para o seu salão. Se cada um que sabe alguma coisa ensinar alguém, teremos mais pessoas capacitadas.

E como é trabalhar com as marcas?
Mais importante do que a marca é o relacionamento que criamos com as pessoas. A Bianca Pi, por exemplo, foi diretora de L’Oréal Paris, depois me contratou para Kérastase, mudou para Niely Gold. Daí eu apresentei Flávia Alessandra para ela, que acabou sendo contratada para fazer uma campanha. E Bianca é minha amiga até hoje. Também tenho um cliente que era presidente da Nivea, na época em que trabalhei com a Gisele Bündchen, e que continua cortando comigo. Por sinal, foi um antes e depois ter trabalhado com ela. Gisele ensina muito o cabeleireiro sobre naturalidade, o efeito que dá na foto… Manter as relações, independentemente da marca com a qual trabalhamos, é o mais essencial.

Você está vinculado a alguma?
No momento, estou namorando a marca Head&Shoulders, que tem produtos ótimos para tratamento de couro cabeludo e não apenas contra a caspa. Também desenvolvo cosméticos com a Eudora há mais de cinco anos. Eu uso um item, envio para a empresa e elas produzem outro parecido, uma formulação de desempenho profissional. Aceitei esse desafio porque acho democrático, os cosméticos têm preços acessíveis para todos.

Qual é a maior dificuldade na área?
Existem profissionais que desenvolvem um problema terrível: abraçar o ego. Não há problema em se gostar. Eu me sinto seguro com um monte de coisa, gosto de ser quem eu sou. É preciso se amar, mas há diferença entre se amar e se achar. Tem de ser humilde na profissão, saber que vai errar, que alguém virá depois de você, que você vai envelhecer e morrer… E que de dez clientes, uma vai achar o seu corte péssimo. Fico triste quando um cabeleireiro já começa a trabalhar se achando o máximo. Dia desses conversei cinco minutos com um rapaz que ficou falando mal dos profissionais da cidade onde trabalhei. Fiquei deprimido. Ele perdeu a oportunidade de dizer alguma coisa interessante. A gente tem de prestar atenção em quem está perto. Se a pessoa não estiver ensinando nada, é hora de partir.

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Como você escolhe os profissionais?
Primeiro, tem essa coisa da humildade e entender que é uma prestação de serviço. Na hora em que a cliente está na cadeira, ela é a estrela principal, não o cabeleireiro. A segunda é querer aprender sempre. A terceira é ter controle emocional. Já tivemos de desligar profissionais por causa do ego inflado. Tenho visto isso ao longo da minha carreira. A pessoa acha que é a bolacha mais gostosa do pacote, não aceita críticas.

Que conselho daria para quem está começando agora?
Ter humildade e continuar aprendendo. Uma receita, acho que da neurolinguística, é perguntar para a pessoa, assim que se sentar na cadeira: “O que você pensa? Qual é o seu desejo?” Ela poderá dizer: “Quero cortar só as pontinhas” ou “Quero fazer uma transformação”. Daí você repete exatamente o que ouviu, mas com outras palavras. E o subconsciente dela vai falar: “Ai que bom, ele entendeu!” E começa a conexão. Se ouvir a cliente, terá mais chance de acertar.

Tem algum sonho?
Adoraria ter uma academia. Quem tivesse dinheiro pagava, quem não tivesse, não pagava. Não sei se é sustentável. É claro que esse discurso é bonitinho na entrevista, eu queria ser sempre assim, mas tenho um monte de problemas! Sinto ciúmes de amigos, fico mal-humorado quando estou com fome, triste quando não consigo alguma coisa… Mas a gente precisa ter consciência disso para melhorar. Queria faturar mais, ter um salão em Nova York. A gente tem de ter desejos, somos movidos por eles. Eu quero continuar tendo sonhos, é o que nos faz sermos flexíveis, jovens. O enrijecimento está para a velhice como a flexibilidade para a juventude. Uma pessoa que pensa saber tudo é inflexível, ficou velha.

 

Texto: Annamaria Aglio (edição de web: Patricia Santos)
Fotos: Helio Norio e reprodução Instagram

 

 

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